domingo, 10 de novembro de 2013

Chuva



Estou no ponto de ônibus. Negro, cabelos grisalhos, sessenta e poucos anos. Boa aparência se aproxima.

O céu está cinza. Pingos d’água, vento. Começa a chuva. São Paulo, Terra da Garoa. O Homem negro abre o guarda chuvas. Meus óculos já estão com as lentes molhadas. Abro também o meu. Mudo de ideia, fecho o guarda chuvas e acendo um cigarro. A chuva cai sobre meu corpo. Molha minha alma.

O homem negro puxa assunto debaixo de seu guarda chuvas. Fala de seus problemas com o INSS. Apenas faço um gesto com a cabeça. Não quero conversa hoje, apenas quero a chuva que se mistura com a fumaça do meu cigarro.

A chuva continua, o homem negro fala e eu fumo. E mais chuva. E mais vento.

O ônibus surge na esquina. Última tragada. Fumaça no ar. O homem fala. Eu escuto. Dou sinal. Jogo o cigarro. O homem negro me deseja sorte. Entro no ônibus. A chuva continua.





domingo, 20 de outubro de 2013

Sem Nome



Índia, sentada com os pés descalços, com uma criança em seu colo. Do lado de seu corpo de curvas tristes e com expressão de dor na alma, uma caneca com algumas moedas. Passei por ela e não resisti, perguntei de onde era. Ela me respondeu que era de uma terra onde ninguém mandava em ninguém, o respeito era mútuo. Não havia fome, não havia pobreza. Ela olhou para cima, em direção para grande Catedral da Sé, e disse-me: “Hoje sou do Brasil, das ruas, não tenho terra, nem mais possua minha tradição, o que me restou foi a lembrança das histórias que meus ancestrais contavam. Hoje sou das ruas, abandona por um sistema que finge que não existo e ignorada por pessoas que se fazem de cegas ao me olharem, mas entram para rezar nessa igreja.” Coloquei duas moedas na caneca, desejei-lhe sorte e segui meu caminho.

sábado, 21 de setembro de 2013

Vida a fora, noite adentro!



É noite, megalópole de São Paulo. Deixei a faculdade pensando nas aulas de História do Direito/Filosofia e Sociologia, divagando sobre a realidade.

Ao ótimo som de Break on Trought, da Banda The Doors. Caminhando por ruas da incrível São Paulo, mais precisamente na Avenida Liberdade, onde a fumaça do meu cigarro se espalhava pelo ar e misturava-se com as luzes dos carros que iam e vinham não sei de que lugar e para qual lugar, cheguei próximo da estação do metrô.

Lá fui para encontra-la, Mônica, pseudônimo da mulher que me faria companhia na última sexta-feira de inverno.

Fomos a um bar e enquanto tomávamos nossas cervejas e ríamos sobre nossas realidades, um senhor desafortunado da vida, de nome Severino nos interrompeu. Ele carregava em suas mãos sujas, alguns brincos e tentou vender os mesmos, por algum trocado. Perguntei de onde era. Ele respondeu-me que era de João Pessoa e que deixou sua terra natal há mais de 20 anos e vive aqui na Capital dos trocados recebidos de pessoas estranhas. Dei a ele algumas moedas, ele me cumprimentou e fez companhia por mais alguns minutos e seguiu seu caminho com a mesma humildade com que chegou a nós.

Continuamos a beber, agora sentados num banco de cimento.

Logo em seguida, outro homem desgraçado pela vida, morador das ruas dessa imensa Cidade sentou conosco. Seu nome, Edson, de sotaque engraçado. Edson que tem o mesmo nome de meu pai nos contou sobre sua vida. Acendemos um cigarro cada e escutamos o homem falar que abandonou tudo e hoje dorme nos bancos e praças, porque em seu passado teve azar no amor.

Muito simpático esse homem. Conversamos sobre outras coisas. Edson usava um chapéu legal, eu ofereci o meu boné para ele. Ele aceitou e fizemos uma troca, agora ele possui um Boné da Khelf legítimo e eu, um verdadeiro chapéu itinerante. Antes de seguir por seu caminho, o andarilho me propôs outra troca, agora os isqueiros foram os objetos negociados.

Seguimos também nosso caminho, e chegamos num quarto de hotel, no centro da cidade. O quarto era muito belo e tinha nele, um quadro de um lago com algumas pedras, que me chamou a atenção. Passamos alguns bons minutos conversando sobre o quadro.

Entre um cigarro e outro, e doses generosas de bebidas... Trocávamos olhares e conversas sobre nossas vidas. E também sobre os homens de má sorte que estiveram conosco no início da noite.

Dormimos ao som de Beatles e acordamos com carros barulhentos que transitavam pela rua...

Mônica e eu deixamos o hotel com um lindo dia nascendo, com nossas caras marcadas pela noite de cervejas e cigarros. E em outra parte da cidade, em qualquer banco ou praça, dois homens estão esperando que a sorte mude suas vidas.

                                                                


domingo, 8 de setembro de 2013

Whisky, Cigarro e Pecado



O dia encerrou, e ao cair da noite, após uma vibração melancólica no telefone móvel, a mensagem sugeriria que a noite seria no mínimo estranha.

Após sair e me encontrar com ela, algumas doses de whisky, e o teor da libido estar impregnado no cérebro, saímos da taberna. É estranho, quando você faz algo que sua mente está acostumada a pensar que é errado, no mínimo um pecado mortal, para os religiosos.

Bebida alcóolica combinada com outros ingredientes ilumina o fantasma do desejo e expulsa os demônios do corpo, liberta o pensamento carnal.

Chegamos, e para não despertar quem ali dormia, entramos em pontas de pé, sem barulho, o local todo escuro traz a sensação de que algo pecaminoso irá contaminar.

Quando os jeans de ambos tocaram o solo, e os lábios se tocaram era tarde demais para ela dizer que era cedo. E cedo o suficiente para não me envolver emocionalmente.

Foi o que aconteceu, dois corpos na escuridão de um quarto, juntos por desejo ou simplesmente por boas doses de whisky.

Depois do pecado consumado, o cigarro aceso foi como um golpe fatal. “Não sabia que você fumava.” A resposta em tom de sarcasmo, “Não sei o seu sobrenome.”

É chegada a hora de partir. Os jeans subiram os corpos, e o caminhar na ponta dos pés nos levou para fora, mas o whisky, seu efeito só chegará no dia seguinte. 


quinta-feira, 2 de maio de 2013

Conversa Paralela



Quando saí do trabalho na quinta-feira de tarde, pós-feriado do dia do trabalhador, caminhei de forma tranquila até a estação de metrô Bresser. Junto de uma colega de trabalho os passos até a estação foram acompanhados de uma boa conversa sobre cinema e críticas pitorescas a como nos achamos loucos.

Na estação da Bresser nos despedimos e cada um seguiu seu caminho, parecia que o destino conspirava a favor da situação que aconteceria depois. Fiquei na plataforma pouco menos de dois minutos e o trem aparecera no horizonte. 

Quando ele parou e abriu as portas, não entrei naquela que acabara de abrir na minha frente, caminhei para o lado direito e entrei na outra porta. Parece algo louco, mas talvez eu seja mesmo.

Entrei com os fones de ouvido e como sempre o faço, reparei em todos ao redor, gente de todo tipo.  É estranho entrar num lugar cheio de pessoas e sentir-se só. Na estação seguinte entrou por aquela porta por onde entrei um senhor de aparentemente uns sessenta e poucos anos. Ele entrou correndo antes da porta fechar, respirando de forma profunda... Bem ofegante. Ele me olhou e disse:
- Que calor! Muito quente lá fora.

Como não prestei atenção no que ele disse e para não ser mal educado, tirei os fones de ouvidos e perguntei o que ele havia me dito e ele me respondeu que estava com calor. Entramos naquele exato minuto numa conversa filosófica sobre Aquecimento Global. E fomos mudando de tópico a cada estação.

Conversamos assuntos de meio ambiente até politica e inclusão social. A maior parte da conversa foi sobre economia. Algumas pessoas que estavam na estação na entrada daquele senhor até o destino final, Itaquera, onde descemos, ficaram nos observando com atenção.

Em Itaquera seguimos pelas escadas e ainda no mesmo assunto ficamos parados por ali um pouco mais de 15 minutos. Sem nos apresentarmos um ao outro nos despedimos de forma cordial e cada um seguiu seu caminho.

Foi muito interessante conversar com aquele senhor, que parecia com o Fernando Sabino, sobre todos aqueles temas, mas tenho certeza que a parte mais surpreendente de tudo isso, para aquelas pessoas estavam no metrô, foi o momento em que tirei o fone de ouvido e começamos um diálogo. De qualquer maneira foi apenas mais uma conversa paralela.